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Críticas de segunda e Opiniões de quinta sobre Quadrinhos

Por Thiago de Oliveira

Os melhores quadrinhos de 2020 | De Segunda

Os melhores quadrinhos de 2020

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O ano de 2020 certamente será lembrado pela pandemia mundial que vivemos e seus efeitos nas mais diversas esferas. E nem mesmo os nossos queridos quadrinhos passaram incólumes. Muito se discutiu sobre o impacto desta “bactéria fdp” no mercado de quadrinhos estadunidense e como isso poderia repercutir por aqui. E não foi só o mercado que sofreu, não foram poucos os quadrinistas que enfrentaram adversidades em suas produções. Contudo, entre trancos e barrancos a nona arte prosseguiu e pelo menos por aqui no Brasil subiu em sua posição de consumo, indo da  da quinta para a segunda colocação, segundo pesquisa do Instituto Gfk. E por aqui no De Segunda não foi diferente e hoje estamos aqui para falar dos melhores quadrinhos lidos em 2020.

Sim, lidos. Pois, como vocês irão notar na lista abaixo, muitos não foram publicados no ano passado. O motivo para isso, além do econômico, é que como colecionador possuo alguns critérios para as minhas compras e nem sempre eles estão de acordo com aquilo que está sendo lançado no ano vigente. O que por sua vez vai fazendo com que a lista de futuras compras vá ganhando incessantemente novos itens, já que os olhos sempre brilham com um ou outro lançamento.

A lista foi organizada em forma crescente e a sua grande maioria ainda não foram resenhadas por aqui. Não garanto que elas irão ganhar um texto, pois é preciso ter algo para dizer sobre elas e muitas vezes a obra fala por si só ou pessoas bem mais gabaritadas do que eu já se debruçaram sobre elas. Então, dito isso tudo vamos as HQs que é o realmente importa. 

10 – Batman: Universo

Capa de: Nick Derington

Com roteiro de Brian Michael Bendis e arte Nick Derington, Batman: Universo faz parte da parceria entre a DC Comics e a Walmart estadunidense em uma linha exclusiva de histórias para a varejista. 

Lançada em seis edições em 2019, a HQ chegou em um volume único de capa dura por aqui pela Panini Comics e mostra um Bendis livre para brincar com o personagem, já que o projeto está fora da cronologia oficial da editora. E para quem esperava algo sisudo e sombrio por conta da passagem do roteirista em Demolidor, Batman: Universo é o oposto disso tudo.

O que temos é algo muito mais na pegada de  “O Bravo e o Audaz” – linha da DC com histórias mais aventurescas e com diversos personagens trabalhando juntos com o morcegão para solucionar crimes e outras adversidades. 

A trama começa com Batman caçando o Charada em uma típica história urbana e abre com uma sequência arrasadora de Derington mostrando a ação pelo ponto de vista do Cavaleiro das Trevas. 

Entretanto, o que se inicia como um rouba rapidamente leva o personagem a outras paragens como a cidade Gorila, a Ilha Dinossauro, Tanaghar e encontros com o Arqueiro Verde, Slade Wilson, Jonah Hex, Lanterna Verde, Asa Noturna e até um Anel Branco.

Se você está a procura de uma HQ despretensiosa, engraçada, repleta de referências e para terminar a leitura com um sorriso no rosto dê uma chance a Batman: Universo. 

9 – Homem-Aranha: História de vida

Outro projeto fora da cronologia oficial, mas agora da Casa das Ideias, Homem-Aranha: História de vida tem roteiro de Chip Zdarsky e arte de Mark Bagley. Sua proposta é contar os últimos sessenta anos do personagem e recontá-los de forma coesa em uma história na qual o amigão da vizinhança vai envelhecendo. 

 Homem-Aranha: História de vida capa
Capa de Chip Zdarsky

Como fã do Homem-Aranha ler este gibi foi como ganhar um presente. Revi grandes momentos como a morte de Gwen Stacy, a caçada de Kraven, a morte de Harry Osborn e grandes eventos como a saga do Clone, Guerras Secretas e uma Guerra Civil totalmente reformulada, mas sem perder a sua essência. E o melhor, tudo isso encaixado de forma totalmente orgânica à medida que as décadas vão se passando. 

Uma faceta que Zdarsky explora é a de Peter como pai, algo que foi interrompido na linha oficial por medo de envelhecer demais o personagem. Mas aqui é justamente por acompanharmos o seu envelhecimento, suas decisões e como elas impactam a sua carreira heróica que podemos mais uma vez nos conectar com o cabeça de teia. 

Mesmo não sendo uma HQ de porta de entrada, afinal de contas são seis décadas de histórias resumidas em seis edições compiladas em único volume por aqui, Homem-Aranha: História de vida é um regalo para os fãs mais antigos e nostálgicos e a arte de Mark Bagley ajuda e muito nessa sensação. Ainda assim é uma boa oportunidade para quem nunca leu nada desse personagem tão querido. 

8 – Ruínas

Ruínas Peter Kuper capa
Capa de Peter Kuper

Meu primeiro contato com o quadrinista Peter Kuper na HQ Desista! e Outras Histórias de Franz Kafka, onde ele adaptou nove contos do escritor tcheco e foi amor à primeira vista. Um traço que mesclava influências do surrealismo alemão e do underground estadunidense criaram um ambiente absurdo, denso e muitas vezes claustrofóbico. Já o meu segundo contato com o quadrinista foi com Ruínas. E bem, a ganhadora do Eisner de Melhor Álbum Gráfico de 2015 é o oposto disso tudo.

Chegando pelas mãos da Jupati Books, a HQ conta a história do casal Samantha e George que decidem passar um ano sabático na cidade mexicana de Oaxaca. Ela busca terminar o seu livro sobre lendas mexicanas, treinar o seu espanhol e engravidar, por sua vez ele está maravilhado com a cidade e com a vida de seus invertebrados. 

Kuper conta uma história sobre fins e recomeços onde a circularidade da vida se faz presente através de várias metáforas e onde o título reverbera em diversas camadas. E a arte é um verdadeiro desbunde. Intensa, repleta de cores e detalhes e dona de vitalidade única.

7 – O Universo de Sandman: O Sonhar

O Sonhar vol 1 capa
Capa de Jae Lee

Antes de mais nada, O Sonhar não é uma continuação de Sandman, mas sim de uma série homônima. The Dreaming foi uma série mensal publicada entre 1996 e 2001 num total de 60 volumes e destes somente doze chegaram por aqui pelas editoras Tudo em Quadrinhos e Metal Pesado entre 1998 e 1999. E a Panini trouxe o especial Sandman: Apresenta – Contos Fabulosos de Bill Willingham. 

Sabendo disso, esta nova série do roteirista Simon Spurrier, da desenhista  brasileira Bilquis Evely e o colorista Mat Lopes é encantadora e que faz jus a magnus ópera de Neil Gaiman. 

Com uma história focada nos coadjuvantes de Sandman como  Lucien, Caim e Abel, o Corvo Matthew, Eva e Merv Pumpkinhead nos vemos em uma intrincada história acerca de uma conspiração envolvendo o Artesão de Sonhos, seu reino e uma nova entidade alienígena a tudo ali. Tudo isso tendo como protagonista Dora – uma desmemoriada e nada ordeira moradora do Sonhar. 

Com referências a Sandman, uma arte de cair o queixo, menções aqui e ali a David Bowie e um roteiro extremamente inventivo e filosófico O Sonhar se mostrou como um grande acerto nesse novo projeto da DC Comics resgatando antigos personagens do selo Vertigo.

6 –  Batman: A maldição do Cavaleiro Branco

Capa de Sean Murphy

Para quem acompanha o blog e o nosso Instagram sabe como foi a empolgação com Batman: A maldição do Cavaleiro Branco. Escrita e desenhada por Sean Murphy esta minissérie é um exemplo do porque a DC precisa de um selo onde autores podem explorar seus medalhões e levá-los a outros patamares. 

Continuação direta dos eventos de Batman: Cavaleiro Branco, a minissérie é uma releitura do arco A Queda do Morcego e vemos o surgimento de Azrael de uma forma bastante inovadora. Juntando fragmentos do passado místico de Gotham a um grande mistério envolvendo os Waynes e toda a tensão política do primeiro arco, Murphy cria uma história repleta de emoções e que vai te deixar na ponta dos pés. Um novo clássico para o Morcegão? Talvez, talvez.

5 – Histórias Brilhantes – 10 HQs de Alan Moore

Histórias Brilhantes: 10 Hqs de Alan Moore capa
Capa de Júlio Oliveira

Publicada neste ano pela editora Mythos, esta antologia foi criada pelo jornalista e crítico de quadrinhos Marc Sobel e traz dez histórias curtas do mago de Northampton. 

Estas histórias foram publicadas ao longo dos anos de diferentes formas e percorrem quase vinte anos da bibliografia de Alana Moore. Todas elas são inéditas no Brasil e certamente figuram como pequenos tesouros a serem descobertos. Então não se assuste com a capa um tanto quanto duvidosa e vá sem medo. 

Cada uma das histórias é desenhada por medalhões do mainstream, como Stephen Bissette, Rick Veitch, John Totleben e do underground como Mark Beyer e Peter Bagge. Além disso, ao final delas temos um texto de Sobel com comentários que enriquecem ainda mais a experiência e mostram porque Alan Moore está no Olimpo da Nona Arte.

4 – Cinema Purgatório

Cinema Purgatório n° 6 capa
Capa de Kevin O ‘ Neill

Fazendo dobradinha, Alan Moore aparece mais uma vez na nossa lista e agora com uma antologia de terror encabeçada por ele. 

Criada em 2016, via Kickstarter, com a ideia de reunir grandes nomes dos quadrinhos para uma revista mensal com cinco histórias. Esta equipe foi selecionada pelo próprio Moore e nomes como Garth Ennis, Kevin O´Neil e outros talentos se juntaram ao projeto. 

A ideia era homenagear antigos filmes e quadrinhos de terror referenciando a era de ouro do gênero das editoras EC (Contos da Cripta) e da Warren (Eerie). Junto disso as histórias deveriam ser curtas e em preto e branco.

O resultado é uma antologia com boas histórias e com temas que vão desde a história do cinema norte-americano (Cinema Purgatório), homenagens aos monstros da cultura pop (Código Pru) e aos Kaijus (A Vastidão), uma estranha mistura de Mad Max e Pokémon (Mods) e uma chatinha história sobre a guerra civil norte-americana (Uma união mais perfeita), pois nem tudo são flores. Contudo, fica a minha torcida para que o Cinema Purgatório seja reaberto o quanto antes para continuarmos a acompanhar estas e outras histórias.

3 – Gideon Falls

Gideon Falls n° 1 capa
Capa de Andrea Sorrentino

Falando em terror, chegamos ao nosso terceiro colocado: Gideon Falls de Jeff Lemire e Andrea Sorrentino. Publicada em terras brasileiras pela editora Mino a série ainda não chegou ao seu fim, mas é definitivamente um quadrinho de terror acima da média. Não à toa li os seus três primeiros volumes em sequência e o veredito é que todo o buxixo em torno da dupla é mais que justificado.

Em seu enredo acompanhamos as figuras do padre Fred e do jovem Northon, entrelaçados por um antigo mistério encravado nos primórdios da cidade de Gideon Falls. Um horror cósmico ligado a lenda do Celeiro Negro e todas as suas monstruosidades. 

Apesar de soar um tanto quanto familiar (Alô It: A Coisa), o roteiro de Lemire é extremamente competente e inovador entregando uma história cada vez mais tensa e incrível. E tudo é feito de forma cirúrgica e num ritmo mais lento que o usual para o quadrinista canadense. O que por sua vez torna o enredo ainda mais opressor.

A arte de Sorrentino é um espetáculo à parte. O traço, a caracterização dos personagens e a diagramação das páginas são  responsáveis por boa parte da aura aterrorizante da HQ e algumas das sequências são de arregalar os olhos.

2 – Diomedes: A trilogia do acidente

Diomedes já é um clássico dos quadrinhos brasileiros, portanto, qualquer elogio que eu faça a ele é como chover no molhado. Um noir surrealista, dividido em quatro álbuns, no qual acompanhamos as desventuras do ex-delegado e  agora detetive particular Diomedes em uma série de intrincados casos e situações. 

Diomedes - A Trilogia do Acidente capa
Capa de Lourenço Mutarelli

Criação do quadrinista e escritor Lourenço Mutarelli, a “trilogia do acidente “(que leva esse subtítulo, por conta do último volume ter sido dividido em dois) foi originalmente publicada entre 1999 e 2002 e ganhou sua edição definitiva pela Quadrinhos na Cia em 2012 num volume único contando com duas histórias inéditas do personagem. E fui correr atrás de colocá-lo na pilha de leituras deste ano influenciado pelas matérias da Banda nº01 sobre a HQ e como foi bom ter feito isso. 

Diomedes é uma HQ estranha e que vai se tornando cada vez mais abstrata à medida em que Mutarelli vai refinando o seu traço e a condução da história. E de tal forma que em seu último álbum temos uma trama metalinguística acerca da vida e obra do autor.

Alternando entre o existencialismo, o absurdo e o pessimismo, o roteiro ainda guarda umas boas cenas de ação e comédia que surpreendem e garantem umas boas risadas. Ainda mais quando são lidas com as sugestões de trilha sonora feitas por Mutarelli. Vá sem medo de ser feliz.

1 – Angola Janga

Angola Janga é definitivamente um novo clássico brasileiro, não há outra forma de definir a HQ de Marcelo D’Salete. 

Angola Janga capa
Capa de Marcelo D’Salete

Contando a história do quilombo de Palmares, de seus líderes e habitantes, a HQ é um ponto de inflexão na forma de se contar histórias acerca de fatos históricos. Sem cair no pedantismo ou em cravar uma verdade absoluta sobre os eventos ocorridos, D’Salete nos apresenta sua visão do que Quilombo e Zumbi representam e podem ainda significar na luta diária contra o racismo brasileiro. 

Contudo, Angola Janga não é um clássico somente pelo o que ela tem de significado. Além de dinâmico, o roteiro é poético e repleto de simbolismos que tornam a narrativa bastante fluída e cheia de surpresas (Anansi que o diga). Sem falar de sua sofisticação que abre espaço para diferentes leituras. E o que não falta aqui são motivos para ser impactado pela HQ, não à toa ganhou os prêmios Jabuti, HQMix e o Rudolph Dirks Award. 

Menção honrosa: Marcuse em quadrinhos

Sempre há espaço para mais uma HQ em minha pilha de leitura, ainda mais quando ela se trata daquele que me inspirou em boa parte do meu primeiro percurso acadêmico e que também seria objeto de estudo em meu tcc. 

Marcuse em quadrinhos capa
Capa de Nick Thorkelson

Marcuse em quadrinhos é a biografia do filósofo alemão escrita e desenhada pelo quadrinista Nick Thorkelson. E quantas memórias afetivas não foram revividas enquanto lia este gibi. A descoberta das teorias de Marcuse, indicado por um professor, as várias horas debruçadas em seus livros e nos livros de seus críticos, os rascunhos, as anotações e achados. Todo um pedaço da minha vida revisitado. 

Inegavelmente, todo esse processo afetivo influenciou na aparição da HQ nesta lista, mas não foi somente por isso. Marcuse em quadrinhos é um exemplo, para aqueles que ainda duvidam, da plasticidade e força da mídia em quadrinhos. A forma como Thorkelson decodifica a vida e as ideias de Marcuse fazendo com que conceitos abstratos saltem dos quadros é maravilhosa. Ao mesmo tempo em que trata tudo com bastante diligência. 

Ter as ideias do filósofo em quadrinhos é algo genial e que como diz Angela Davis em seu prefácio: “As ideias de Marcuse podem ser tão valiosas hoje quanto o eram há 50 anos”.

E para 2021?

Para esse ano que se inicia os planos são diversificar os quadrinhos lidos, pois fazendo esta lista fui percebendo algumas boas lacunas. Ao mesmo tempo em que pretendo correr atrás de alguns exemplares mais antigos para fechar capítulos dentro da coleção. Por exemplo, falta pouco para que eu tenha todas as obras publicadas em português do Alan Moore. 

Quanto aos lançamentos, bem, nós vamos tentar encaixar um aqui e outro acolá, ainda mais que os anunciados na virada do ano prometem. Incal que o diga. Então que venham novos quadrinhos, novas leituras. 

Mas e você, quais foram os seus melhores de 2020?

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