Ficha Técnica
Gideon Falls vol 3: Via-sacra
Autores: Jeff Lemire (roteiro), (arte), Dave Stewart (cores)
Tradução: Dandara Palankof
Preço: R$ 79,90
Editora: Image / Mino
Publicação: Novembro / 2019
Número de páginas: 136
Formato: 17 x 26 cm, Capa dura, colorido
Gênero: Terror
Sinopse: Depois dos surpreendentes eventos no celeiro negro, acompanhamos o padre Burke em sua caçada ao assassino Norton Sinclair. Porém, o que fazer quando este assassino pode mover-se pelo tempo e pelo espaço?
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Após um longo hiato, voltamos ao universo criado por Jeff Lemire, Andrea Sorrentino e Dave Stewart. E começo com um aviso: se você acredita que pode prever para onde a série vai, pode ter certeza que ela vai conseguir te surpreender. O motivo para isso é bastante simples, pois se nos dois volumes anteriores fomos arrastados entre duas dimensões, aqui em Gideon Falls vol 3: via-sacra a coisa explode e somos jogados em um multiverso de loucura e escuridão.
E jogados é bem a palavra, já que a HQ começa nos colocando na Gideon Falls de 1896. O primeiro ano de avistamento do celeiro negro e do Homem Sorridente. Eventualmente, este recurso poderia ser utilizado para explicar a origem de ambos os mistérios, mas Lemire opta por outra direção. Na qual uma terceira linha do tempo se abre e passa a contar o embate entre o padre Burke, o pároco da vez, e a misteriosa criatura que já foi Norton Sinclair.
Toda essa estrutura é como uma caixa de eco amplificando a dicotomia que vem guiando a história até aqui. Contudo, neste terceiro volume o que vemos é uma versão mais cruel e sanguinolenta. Tanto que aqui o body horror e o gore tomam conta das páginas em uma intrincada viagem pelo continuum tempo-espaço. Só que tudo acertadamente balanceado, de forma que, pendemos entre a repulsa e ansiedade enquanto a história se desenrola.
Esta mescla de elementos vai para além do gênero do terror e, aqui, também vemos a mistura de componentes do catolicismo com o clássico Alice no País das Maravilhas. Algo que, graças ao ritmo mais lento deste terceiro volume, nos permite encontrar algumas respostas antes de termos o tapete puxado sob nossos pés.
Descendo pela toca da barata
Para fazer essa combinação, Lemire faz com que a maior parte deste terceiro volume seja uma perseguição do padre Burke ao Homem Sorridente. Para tanto, a abertura da HQ é marcada por um chocante encontro entre os dois que termina com a entidade que se denomina como Norton Sinclair caindo na escuridão e, Burke correndo atrás de respostas.
Tanto a queda, quanto o teor de urgência de algumas falas do Homem Sorridente (“há tanto a fazer, há tanto a fazer”), nos faz lembrar o primeiro capítulo do livro de Lewis Carroll, no qual Alice vê e segue um apressado coelho branco que mergulha em sua toca.
Todo esse movimento serve para que o sacerdote seja guia enquanto é guiado pela entidade através das múltiplas realidades apresentadas. E com isso, ficamos sabendo da existência de cinco Gideon Falls. Cada uma vibrando em uma dimensão e um tempo diferente:
- A terra natal de Burke (que irá dar origem a Gideon rural onde está o padre Fred);
- Uma Gideon Falls no velho oeste;
- Outra Gideon Falls num universo steampunk;
- Sua versão distópica controlada por um governo chamado Magistrado;
- E a aldeia de Gideon Falls, a mais próxima do centro.
Apesar de não termos respostas claras do que é este centro, é insinuado que o Homem Sorridente é algo que vive ou que está preso ali. Assim como conseguimos descobrir que seu objetivo é encontrar um portal, ou seja, um humano que o possibilite atuar fora deste centro. Dessa maneira ele poderia espalhar a escuridão sobre todo o multiverso.
Todas estas revelações vêm ao padre Burke depois de provações e debates com a entidade à medida que avançam por entre as cidades. Tudo em direção à descoberta de sua missão redentora de impedir o Homem Sorridente de triunfar. Daí, o subtítulo via-sacra.
O layout das páginas em Gideon Falls vol 3
Para além de todas as referências de Lemire nos roteiros, outro fator importante da série é a arte de Andrea Sorrentino. Vocês já me viram elogiá-lo aqui e aqui, todavia todo enaltecimento é pouco para o desenhista italiano. Em todo volume há sempre uma página dupla ou a decomposição de um intrincado conceito em uma belíssima solução visual.
E aqui não poderia ser diferente e chamo atenção para a intrincada página de teletransporte por entre as realidades e a página onde temos o lampejo de como todas essas dimensões coexistem no mesmo espaço-tempo.
Abusando de experimentações nos layouts das páginas, Sorrentino transborda criatividade no uso de repetições e dos requadros. Este último se desdobra ora em complexas formas geométricas, que guiam os nossos olhos pelas páginas, ora em traduzir os movimentos das personagens. E é como disse para o HQ sem roteiro, Gideon Falls é uma série que sabe como trabalhar recursos linguísticos que somente a nona arte possui.
Ao mesmo tempo, a paleta de cores de Dave Stewart continua a fazer um excelente trabalho para demarcar emoções e cenas. E pode ter certeza que você não verá o vermelho tão bem trabalhado em outra HQ como aqui na série. As pinceladas são disparos para sentimentos como ansiedade, medo e nojo e duvido que o design do Homem Sorridente tivesse o mesmo impacto se não fosse por Stewart.
Conclusão
Gideon Falls vol 3: Via-sacra mantém a qualidade do que vimos anteriormente, ao mesmo tempo em que nos joga de vez no colo da ficção científica. E mesmo com um roteiro mais lento, não deixa de ser intenso em sua proposta de apresentar e explodir o que conhecíamos até então.
Em conformidade com a proposta de Lemire, a HQ ainda guarda alguns detalhes em sua última parte mais focada no núcleo central da história: padre Fred, Norton, Drª Xu e a xerife Clara. Tudo para que a ameaça da entidade, que assola as diferentes cidades de Gideon Falls, seja sentida em nossas espinhas ao final da leitura.
Por tudo isso, é mais que justificável o prêmio Eisner de melhor nova série em 2019. E se você ainda está em dúvida se deve prosseguir ou não na série, venha sem medo.
Nota: 4 de 5