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Críticas de segunda e Opiniões de quinta sobre Quadrinhos

Por Thiago de Oliveira

Anjinho: além review

Anjinho: Além

Depois de questionar o Criador, Anjinho é expulso do céu e é enviado à Terra, para cumprir uma missão. Porém, em seu caminho há mais dúvidas que respostas e para se reencontrar às vezes é necessário saber pedir ajuda.

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Ficha Técnica

Anjinho: além capa
Capa de: Max Andrade

Autor: Max Andrade (roteiro e arte)
Cores: Kaji Pato
Preço: R$39,90
Editora: Panini Brasil / Mauricio de Souza Editora – Graphic MSP
Publicação: Maio / 2022
Número de páginas: 96
Formato: Americano (19 X 27,5 cm) Colorida / Lombada Quadrada / Capa cartão
Gênero: Aventura
Sinopse: Após confrontar e questionar o Criador, Anjinho perde o seu posto e é banido para a Terra. Para retornar aos céus e recuperar a sua graça, terá de realizar uma missão que o levará a se defrontar com seus próprios sentimentos.

***

Todo anúncio de lançamento de uma Graphic MSP é sempre um misto de surpresa e expectativa pelo o que há de vir adiante. Estes sentimentos são sempre acompanhados por um período de um ano, mais ou menos, de irrequieta espera enquanto o editor Sidney Gusman vai soltando doses homeopáticas de informação. Some isso ao tempo da HQ chegar à banca do Carlos, aqui em BH, e só aí ter a HQ nas mãos. Em outras palavras, tudo precisa de um tempo de maturação. E em Anjinho: Além, vamos ter um vislumbre de como isso é necessário.

O tempo aqui é o senhor da razão e não à toa é celebrado em sua própria passagem. Mas não é o tempo ordinário que é contado, aquele que vemos passar dia-a-dia enquanto segundos se acumulam em nossa existência. Aqui, ele é ritualizado e o seu decurso é relatado de uma outra maneira, de forma a nos lembrar que “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.” como está escrito em Eclesiastes 3:1. 

Porém se engana quem pensa que a HQ seja somente uma parábola católica, ela vai além e se apropria de sua simbologia para contar uma história universal, independente das crenças religiosas de quem a lê ou da ausência destas crenças. Uma história que fala diretamente ao coração humano e de como é nele que o tempo verdadeiramente se dá.

Do tempo mítico

Uma coisa a se atentar na leitura de Anjinho: Além, é a forma como Andrade nos traz o transcurso dos dias da semana. Ao invés da forma usual, o que vemos são os dias sendo contados em sua forma mágica. No lugar de segunda-feira, dia da Lua, terça-feira vira dia de Marte, quarta-feira é dia de Mercúrio, quinta-feira dia de Júpiter, sexta-feira dia de Vênus, sábado é sabbath. E a própria história começa num “dia do senhor” mais conhecido como domingo.

Todo este tempo ritualizado serve de contraste a toda a impaciência e correria do Anjinho. Não à toa, a sensação que temos é que o protagonista se recusa a parar, de que há algo dentro dele que o impele a todo aquele movimento desenfreado e agressivo, alguma coisa que extrapola a urgência da sua punição. Castigo esse que também está ligado ao tempo, já que ele está obrigado a viver entre os humanos por uma semana. 

Tanto que não são poucas as páginas em que Anjinho grita de raiva ou que vemos em suas ações o quão nervoso ele está. E muito dessa ira é direcionada contra o próprio tempo, que passa pacientemente esperando, consolando, explicando e até mesmo se frustrando com o personagem.

Esta dualidade permanece e ganha novos contornos na relação do Anjinho e Humberto, que faz a sua estreia no selo de uma forma única e muito sensível. E digo isso, uma vez que Humberto cresce em proporção a toda cólera de seu amigo angelical, transmutando a ligação dos dois. Ao passo que o coadjuvante atua como um anjo da guarda do próprio Anjinho em seus dias na Terra o acolhendo, dando força e se angustiando com ele. Enfim, um amigo que também sabe esperar o momento para ouvir e para guardar um segredo. 

Anjinho: além – sobre o som e a fúria

 

Arte de: Max Andrade

Outro ponto interessante é que em praticamente dois terços da HQ não ficamos sabendo o motivo de toda raiva do protagonista. Começamos a história vendo a sua rebeldia, sua queda e seguimos acompanhando sua jornada na escola do Limoeiro. E o motivo para isso é mais uma vez todo o som e a fúria que vibram em torno dele.

Notem as cores das nuvens na passagem inicial do quadrinho. Do lado do Anjinho elas estão carregadas num tom avermelhado, quase como lava, e do outro, plácidos tons azulados. Este vermelho irá segui-lo por toda a história e é quase irritante ver a forma como ele age de forma egoísta e afoita. Sempre tentando provar o quão certo ele está e como foi injusto tanto o que ocorreu com ele, e que ainda não sabemos, e a sua condenação. 

Porém, antes de continuar, um aviso. A partir daqui terei que dar alguns spoilers sobre Anjinho: Além. Então, para quem fica por aqui, saiba que Max Andrade criou uma belíssima HQ com um final potente e que faz com que a gente, ao final da leitura, queira ligar ou abraçar quem amamos. Agora, para os que quiserem me acompanhar, tentarei fazer jus aos motivos para tanto. 

… 

Da catarse

Preso em si mesmo, ele não consegue ver mais nada além de sua dor. E é aí que temos o pulo do gato na história. Anjinho sofreu uma perda, suas ações refletem a de alguém enlutado e assim sendo, incapaz de criar novos laços. E o ponto onde ele se encontra em seu processo de luto é o da negação, afinal por que temos que passar por momentos tão importantes e bonitos com alguém se ela irá embora? Eventualmente o querubim se vê diante das questões: é justo perder quem se ama? Se o criador é tão bom, por que a dor? Por que continuar se nada mais faz sentido?

Arte de: Max Andrade

Todas essas perguntas estão presentes na história, transmutadas nos questionamentos realizados pelo personagem no início da história. Seu castigo vem, não de suas indagações, mas do ensimesmamento causado pela dor que o impede de ver o quão bonito foram os momentos vividos. Algo que é custoso demais para qualquer pessoa que já perdeu um ente querido: aos que ficam a saudade, mas também a emoção de que a vida foi e é mais bela graças a todos os instantes passados com quem se ama.

Pense nos momentos vividos ao lado desta pessoa. Os bons e os ruins. Agora analise em como a sua vida foi impactada por ela. Como todo esse caminho percorrido juntos te tornou o que você é hoje. As lições aprendidas, os desejos compartilhados, os medos repartidos. Perceba o quão grandioso foi tudo isso, como no fim, a vida foi muito melhor graças a esse tempo juntos. E como ela irá te acompanhar no restante da sua caminhada existindo em sua memória.

Com efeito, o momento em que Anjinho toma consciência disso é extremamente catártico e a sequência desenhada por Andrade é bastante impactante, tendo como ponto alto a utilização da famosa xilogravura A Grande Onda de Kanagawa. Uma mensagem muito bonita sobre o valor de cada pessoa e de como podemos deixar marcas profundas em nossa passagem.

Anjinho: Além – Easter eggs

Contudo, a lição passada pelo gibi não é tão fácil de ser aprendida. Leva tempo, afinal o luto ocorre em outro decurso e por isso ritualizado, mas às vezes é necessário uma comunidade para lembrar alguém que ele é mais que a sua dor. Daí a vinda de Anjinho ao bairro do Limoeiro e a quantidade de participações especiais na história. 

Além do Humberto, somos inundados por aparições do Louco, Jeremias, Franjinha, Titi, Astronauta, Xaveco, Denise, Luca, Rolo, Tina e várias outros personagens, que mesmo que não interajam com o Anjinho, nos ajudam a termos um vislumbre de como é o dia-a-dia no bairro do Limoeiro.

Ainda em participações especiais, há um quadro advindo diretamente de Capitão Feio – Identidade onde é possível vermos o Sidney Gusman e o Maurício de Souza dividindo espaço com o Raion, de Tools Challenge, outra criação do Max Andrade. E por falar nisso, ainda vemos em outra cena um Juquinha de Juquinha – O Solitário Acidente da Matéria. Mas ainda cabem outras surpresas durante a leitura, como alguns coadjuvantes lembrarem o Rock Lee, de Naruto e o Luffy de One Piece. 

Conclusão

Anjinho: Além é daqueles belos exemplos de como o selo Graphic MSP é capaz de renovar os clássicos personagens da Maurício de Souza respeitando as suas origens ao mesmo tempo em que conduz quem as lê a novas e inebriantes paisagens. Mesmo que algumas delas sejam dolorosas, mas que acompanhadas por personagens tão queridos se tornam mais suportáveis. E nos ajudam a entender que a vida é valiosa e que devemos, em nosso curto espaço de tempo, ajudá-la a se tornar ainda mais magnífica para todos.

Nota: 5

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