Ficha técnica
Trillium
Autor: Jeff Lemire
Preço: R$29,90
Editora: Vertigo (DC Comics) / Ed. Panini
Publicação: Maio/2018
Número de páginas: 204
Formato: Americano (17 x 26 cm). Colorido / Lombada quadrada. Capa cartonada.
Gênero: Ficção Científica
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Sinopse:
3797. Perseguida pela Coifa, um vírus consciente que vem caçando a humanidade através do espaço e está prestes a erradicá-la, Nika é uma cientista em uma missão de resgate: encontrar uma rara flor – Trillium – que seria a cura deste flagelo senciente.
1921. William Pike, um explorador inglês, está a procura de um lendário templo inca, incrustado no meio da selva amazônica, na esperança de que essa descoberta lhe traga um novo sentido a sua existência.
Mesmo separados pelo tempo e pelo espaço eles irão se unir em uma jornada de redenção e morte, onde aprendemos que nos salvando, podemos salvar a todos.
Entrada
Trillium foi o meu primeiro contato com o trabalho do renomado quadrinista canadense Jeff Lemire (O Soldador Subaquático, Condado de Essex, Nada a perder). E foi um encontro simplesmente arrebatador. Um daqueles que mesmo após a despedida continua ressoando, enquanto você rumina as questões que foram ali discutidas.
E digo isso, pois a trama de Trillium não é daquelas fáceis de serem digeridas. Recheada de experimentalismos gráficos, com idas e vindas pelo continuum espaço-temporal, enquanto seus protagonistas escrutinam temas como vida e morte, perda e aceitação, empatia e dominação, e principalmente disposta a discutir a problemática do outro. Enfim, Trillium é um convite a contemplação.
Trillium e Darren Aronofsky
Mas uma história de ficção científica sobre viagem no tempo e no espaço, onde os protagonistas devem lidar com questões existenciais à medida em que lidam com situações aventurescas? Já não vimos isso antes? Sim! E num primeiro momento Trillium me remeteu ao filme A Fonte do cineasta estadunidense Darren Aronofsky.
As viagens no tempo, a busca por redenção dos personagens, o cenário que intercala entre uma densa selva amazônica e a vastidão do espaço (retratada no filme de Aronofsky em longas tomadas espaciais e no deserto de Atabin e vila das Atabítias no quadrinho de Lemire), o uso de elementos das culturas de povos da era pré-colombiana (os maias por parte de Aronofsky e os incas por parte de Lemire) em diferentes momentos e por ambas terem como tema o amor, comungam para que uma comparação entre as obras.
Prato Principal
Porém se Aronofsky está preocupado em discutir questões como o amor e a mortalidade, em Trillium é a problemática do outro que se sobressai. A pergunta “Como é possível conhecer o outro? Como lidar com esse ser diferente de mim?” se encontra em todas as páginas da HQ de Lemire. E dentro desta dinâmica outras perguntas são feitas: Qual é a relevância do próximo para mim? Como acessá-lo de forma inteligível? Para Lemire, a resposta para todas essas perguntas é encontrada no amor.
Trillium, é essencialmente uma história de amor, como nos diz o próprio autor aqui. Entretanto, não é do amor entre duas pessoas que estamos falando, mesmo que ele se faça presente na história, mas sim do amor transfigurado em empatia. Empatia esta que quando praticada é capaz de nos conectar com o outro e nesse encontro formarmos a nós mesmos.
Mas fazer este contato com o outro é e sempre será um perigoso desafio. E em Trillium, este desafio é visto através do ato de explorar, de lançar-se a imensidão de um território desconhecido. E é por isso que Trillium também é
“uma história sobre o amanhecer da exploração humana e sua conclusão natural milhares de anos depois” (Jeff Lemire em entrevista para o site CBR) [tradução minha].
A exploração como metáfora
Nika e William tornam-se exploradores por diferentes motivos. Ela para se religar a mãe, morta em um trágico evento, ele para redescobrir o seu lugar no mundo, após vivenciar os horrores da Primeira Guerra Mundial. Nesse sentindo as expedições de ambos são diametralmente dicotômicas.
A expedição de William é marcada pela violência. Expressa, de forma sutil, na agressividade entre os membros de seu grupo e de forma mais explosiva no encontro com a tribo que protege o templo de Kuma Mama. Já a de Nika é definida pelo deslumbramento, pela curiosidade e pela generosidade. Sentimentos esses manifestados no ritual realizada entre ela e a Alta Sacerdotisa da tribo das Atabitas.
Das diferenças ao encontro
E esses contrapontos não se limitam somente as expedições de ambos. Eles estão nas paisagens desenhadas por Lemire. Na construção dos dilemas que envolvem William e Nika e seus respectivos papéis dentro de suas realidades.
Nika, uma cientista da mais alta patente, comandante da missão diplomática em um planeta distante, arrojada. William, um ex-combatente da Primeira Guerra Mundial, alquebrado, que se vê sendo questionado à medida que sua expedição avança pela selva amazônica.
Todo este primeiro momento da HQ é marcado por essas comparações entre William e Nika. O que reforça a intenção do autor de frisar o quão diferente os dois personagens são, nos preparando para o mergulho no outro que é a segunda metade da HQ.
Está segunda parte, que se inicia no capítulo intitulado Entropia, é um ensaio sobre a força da empatia e de sua contraparte a intolerância, transfigurada na figura da Coifa, o vírus senciente algoz da humanidade e que vem caçando-a universo afora, destruindo colônia após colônia.
E o que torna tão emblemática a batalha final de William e Nika contra a Coifa é a forma como o vírus se comporta. Em seus instantes finais descobrimos que ele é uma entidade coletiva que suprime e oblitera toda pluralidade. Desta forma, a Coifa é uma metáfora poderosa para a forma como os intolerantes lidam com a problemática do outro.
Fecha a conta
Trillium é um verdadeiro ensaio sobre a nossa relação com o outro, este ser com quem nos relacionamos e que ao mesmo tempo permanece insondável, e faz juz a sua indicação ao prêmio Eisner de 2014.
Nota: 5 de 5.