Ficha Técnica
Batman – Cavaleiro Branco 8
Autores: Sean Murphy (roteiro e arte), Matt Hollingsworth (cores).
Preço: R$ 7,50
Editora: Ed. Panini / DC Comics
Publicação: Março / 2019
Número de páginas: 36
Formato: Americano (17 x 26 cm.) Colorido / Lombada com grampos
Gênero: Super-heróis
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Sinopse: É chegada a hora do confronto final. Batman e Jack Napier devem se unir para derrotar a Neocoringa. Para isso, eles irão contar com a ajuda da OTG e do Sr. Frio em um ataque derradeiro a vilã e seu exército para tomarem o canhão de gelo. Mas tudo pode mudar quando o Coringa emerge mais uma vez.
Entrada
Pronto. Eis o final dessa fantástica minissérie e Batman – Cavaleiro Branco 8, o último capítulo, não poderia ser descrito de outra forma a não ser como apoteótico. Mantendo o tom da edição anterior, Murphy encaixa todas as peças em uma só tacada e ainda deixa brechas para o futuro, mas sem comprometer a história contada. E com uma última edição azeitada, o gostinho é de termos em mãos mais uma excelente história do nosso Cavaleiro das Trevas.
É um clássico? Não sei dizer, mas os temas abordados nessas oito edições, a forma como eles foram discutidos e apresentados, e que apesar de serem postos de lados nas últimas 3 edições, e a condução firme de Murphy tornam a minissérie uma obra sólida. Contudo, esses não são os únicos acertos da trama contada pelo quadrinista e pelo colorista norte-americanos.
A junção de um enredo envolvente, com designs memoráveis para os personagens e o uso calibrado das cores para catapultar emoções tornaram Batman – Cavaleiro Branco uma grata surpresa e uma leitura emocionante. E consequentemente, altamente recomendável.
Não estou dizendo que a história não tenha seus pontos fracos ou que certas resoluções tragas pelo roteirista não sejam inconstantes, mas se avaliadas em perspectiva essas falhas não comprometem a obra.
Como sempre, antes de prosseguirmos, e por se tratar do último capítulo, fica aqui o meu aviso de que spoilers serão dados. Aviso dado, vamos prosseguir em nossa análise, pois o tempo urge e a sapucaí é grande.
A batalha por Gotham
Começando de onde Batman – Cavaleiro Branco 7 terminou, vemos a invasão da ilha que serve como base as operações da Neocoringa. Batman e o Coringa, de volta ao controle do corpo de Napier, avançam junto com a OTG pelos dutos construídos por Thomas Wayne.
Enfrentando o exército de vilões controlados pela Neocoringa, essa primeira parte da hq é tudo aquilo que se espera de uma batalha final. Pancadaria ilimitada, piadinhas, explosões, um vilão descontrolado e um sacrifício. Aqui não há espaço para muitas conjecturas ou interpretações aprofundadas, o objetivo é só um entreter e divertir o leitor.
Com uma profusão de acontecimentos nas páginas, o ritmo desse começo é bastante acelerado, mas graças à hábil direção de Murphy nada escapa do nosso olhar e ainda ganhamos uma belíssima splash page do covil congelado da vilã e outras cenas sensacionais. Uma destas cenas é a libertação do Cara de Barro do domínio mental do equipamento do Chapeleiro Maluco, o que por sua vez acaba libertando os demais vilões. A passagem é hilária e rapidamente o vilão lamacento se torna a ameaça principal ao buscar vingança pelo abuso sofrido nas mãos de Napier.
Harleen Quinzel e a Neocoringa
Mas o ponto alto de toda essa batalha campal é o acerto de contas entre Harleen Quinzel e a Neocoringa, já que o restante da ação segue o protocolo básico do gênero de super heróis. Após um intenso quebra pau, os heróis conseguem tomar o controle do canhão de gelo e reverter a situação de Gotham descongelando os seus cidadãos.
O confronto das duas é sangrento, mas também é extremamente importante, pois nos relembra como o relacionamento do Coringa com a Arlequina é tóxico e como o príncipe palhaço do crime é um ser abusivo, manipulador e um assassino em série. Apesar disso, eu gostaria de ter visto um pouco mais de desenvolvimento entre as duas e não tanto cenas de perseguições. O motivo é que tanto Quinzel como a Neocoringa são personagens interessantíssimas e que foram de extrema importância no desenvolvimento da trama e que mereciam mais espaço.
Principalmente porque é com elas que Murphy fecha o ciclo de violência na cidade de Gotham e ao final da leitura de Batman – Cavaleiro das Trevas 8 esse embate ganha ainda outros contornos, como veremos mais adiante.
Batman – Cavaleiro Branco 8: um adeus e uma confissão
O final da minissérie de Sean Murphy é um misto de revelações e melancolia. E não poderia ser de outra forma.
Gotham sempre foi uma cidade misteriosa, envolta em sombras e cruel com seus habitantes e ela não poderia se libertar da dualidade Batman-Coringa sem um bocadinho disso tudo.
É possível dividir essas páginas finais em três atos: 1) a despedida de Jack Napier, 2) o Cavaleiro Branco e 3) o Cavaleiro das Trevas. E vou tentar falar de forma abreviada de cada um deles.
Jack Napier e o Coringa
Terminada a contenda na ilha da Neocoringa, Napier é salvo pelo Batman e percebendo que o Coringa irá emergir e se tornar novamente a personalidade dominante, decide que é hora de voltar ao Arkham. Como o próprio personagem diz: “permita que eu passe pelo portão enquanto ainda tenho a minha dignidade”.
Todo esse arco final do personagem é extremamente trágico e doloroso, principalmente o seu desfecho. Ao encarar o seu destino e revelar os seus planos para o público, Napier se vai de cabeça erguida e demonstrando uma honradez digna de um verdadeiro herói. E foi extremamente recompensador ver a dinâmica de sua relação com o Batman durante essas oito edições, afinal de contas o que vimos foi o nascimento não de um conflito, como muito se parece, mas de uma amizade.
Calma, aqui eu estou falando do conceito de amizade grego onde uma amizade é algo que te desafia, que te empurra em direção a ser melhor através do encontro com o outro, do diferente. É através da alteridade de Napier que o Batman vê o óbvio: seus métodos já não eram benéficos a Gotham e a muito que a figura do vigilante já tinha se tornado parte do problema. Em contraparte é se opondo ao Batman, que Napier se estabelece no mundo e se afasta da sombra do Coringa.
Fica aqui registrado que espero que Napier volte, dado que pistas foram largadas por aí no caminho pelo quadrinista norte-americano, como a fala misteriosa de Jack quanto a ter descoberto o Coringa em sua antiga cela no Arkham.
O Cavaleiro Branco
A grande revelação de Batman – Cavaleiro Branco 8 é a de que não é Jack Napier o cavaleiro branco da cidade de Gotham. Ainda que catalizador de todas as mudanças na metrópole, Napier só surgiu graças ao plano arquitetado por Harleen Quinzel.
É ela a criadora das pílulas que curaram o Coringa, é ela a responsável pela fuga do vilão do Arkham e também a autora do Batmangate ao filmar a cena de violência cometida pelo Batman. Em resumo, é Quinzel a mente brilhante que resolve o impasse Batman-Coringa e interrompe todo esse ciclo vicioso de destruição causado por essas duas forças antagônicas. É ela o cavaleiro branco que estabelece as bases para a transformação sociopolítica da cidade utilizando de seus conhecimentos acerca dos três indivíduos capazes de produzir tal efeito.
De uma teoria
E com esta informação, abre-se a possibilidade de ressignificar não só toda a minissérie, como também a própria Neocoringa. Uma vez que a criação da vilã é reflexo das ações de Quinzel, o embate entre as duas pode ser visto como a luta pela emancipação de um relacionamento abusivo, a quebra ou não de padrão autodestrutivo e o descobrir de uma terceira via.
Diferentemente do que estamos acostumados a ver na dinâmica Batman-Coringa, que é normalmente decodificada através dos conceitos de Ordem e Caos, a dupla Quinzel-Neocoringa pode ser lida através das pulsões de vida e de morte. Em outras palavras, Quinzel e a vilã representam o conflito entre se deixar definir por um trauma ou entender que você é maior do que aquilo. Uma lição que a própria Gotham deve compreender para seguir em frente.
Tanto que é somente ao se libertar do Coringa, que Quinzel consegue visualizar um novo caminho para si, para Napier e para a própria cidade e seus problemas, tornando-se assim a mulher que sempre foi: “a mulher mais durona de Gotham”, como diz Duke ao se despedir da psiquiatra.
O Cavaleiro das Trevas
As páginas derradeiras da minissérie são destinadas a uma intensa confissão do Batman. Em uma conversa íntima com o comissário Gordon, vemos o Cruzado Encapuzado admitir que a sua missão já a muito havia sido deturpada por sentimentos que nada tinham haver com justiça. Agindo pelo desejo de vingança e de forma brutal, Batman já não era mais o símbolo de esperança, mas sim de uma repressão violenta que só serve para aumentar o nível de ódio nas ruas de Gotham. E este entendimento só foi possível graças aos esforços de Napier que expôs toda a hipocrisia de sua cruzada.
Em sua busca por tornar sua cidade em um lugar melhor, seus métodos só agravavam os problemas ao mesmo tempo que era utilizado como uma ferramenta dos mais ricos para suprimir a população marginalizada da cidade sem criar condições reais de uma melhora para essas pessoas. E toda e qualquer semelhança com a realidade aqui fora não é mera coincidência.
Por fim, talvez esse seja o grande trunfo da história escrita por Sean Murphy, fazer com que o leitor reflita sobre o papel do Batman para a manutenção de um status quo que apenas mascara e terceiriza as causas da violência a outros que não os verdadeiros responsáveis. Mas como nem tudo é tão preto no branco assim, o quadrinista norte-americano constrói um enredo onde não há soluções fáceis e mesmo aqueles que buscam modificar essa estrutura são passíveis de erro e de produzir outros tipos de agressões.
Nota:
5 de 5