Ficha Técnica
Cumbe
Autores: Marcelo D´salete (roteiro e arte)
Preço: R$59,90
Editora: Veneta
Publicação: Março / 2018
Número de páginas: 192
Formato: 24 × 17 × 1.5 cm / Preto e branco/Lombada quadrada
Gênero: Drama
Sinopse: Brasil colônia. A resistência dos negros contra a escravidão ganha novos contornos nos traços de Marcelo D’salete. Em histórias emocionantes o quadrinista nos leva a ver os dramas, os amores, as revoltas dos escravizados na luta pela liberdade.
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Entrada
Há no Brasil uma gigantesca lacuna referente a documentação de nosso período escravocrata. Falta de registros históricos, que causam até hoje divergências quanto aos números relativos ao tráfico de escravos, e a inexistência de registros diretos, ocasionados pelas proibições de acesso ao ensino formal por pessoas negras, criaram um vácuo em nossa história. Deste apagamento veio a gigantesca tarefa de resgate da presença e importância de negros e pardos em nosso pais. E Cumbe, de Marcelo D’salete, é um poderoso produto desta empreitada.
Publicada originalmente em 2014 pela Editora Veneta, a obra ganhou uma edição ampliada em 2018 com nova capa, novo posfácio do autor e desenhos e esboços inéditos. Fruto de estudos do quadrinista acerca da escravidão e as inúmeras formas de existência e resistência encontradas por aqui, a HQ foi escrita em paralelo com Angola Janga – uma história de Palmares. Ambas largamente reconhecidas mundo afora.
Cumbe, por exemplo, foi indicado ao HQmix (2015), ao Rudolph Dirks Awards (Alemanha, 2017) e ganhou o Eisner Awards 2018 na categoria melhor edição americana de material estrangeiro. Além de ter sido adotada como material complementar sobre escravidão em escolas do Ensino médio.
Cumbe, histórias da escravidão
Uma hipótese para toda está comoção em torno dos quadrinhos de D’salete seja a forma multidimensional como ele trata os seus personagens. Com o autor, negros e pardos ganham nomes e personalidades distintas recobrando assim as suas humanidades negadas e tornando-se protagonistas de suas histórias. O que contrasta com a forma amorfa e anônima com a qual muitos materiais e historiadores retrataram a população negra e com a qual estamos acostumados.
Reivindicando o passado, o quadrinista brasileiro recria o período escravocrata evocando os dramas da loucura e do machismo, as diferentes formas de luta pela liberdade e também toda a tensão entre senhores e cativos. Tudo isso perpassado pela simbologia dos povos bantos e a organização política dos quilombos, como nos alerta Allan da Rosa no prefácio de Cumbe.
Calunga, a história que abre o quadrinho, é uma história sobre os sentimentos masculinos de obsessão, violência e posse. Já Sumidouro, retrata as contradições das relações afetivas e sexuais com branco e a tragicidade a qual os indivíduos podem ser empurrados por esses paradoxos.
Cumbe, por sua vez, relata a preparação de uma revolta e toda a tensão e perigo envolvidos na empreitada, ao mesmo tempo em que mostra, de forma bastante impactante, o significado da palavra que dá nome a HQ. Por último, temos Malungo, que referencia elementos e temas encontrados nas histórias anteriores amarrando todas as histórias e as situando em um mesmo universo.
Algo que chama atenção na leitura da HQ são as poucas falas e as sequências mudas. Como resultado, é inevitável não pensarmos nas inúmeras práticas de silenciamento da população negra no sistema escravocrata que serviam, entre outras coisas, para a descaracterização destas pessoas enquanto seres humanos.
Contudo, com Malungo, D’salete conclui o quadrinho reafirmando a importância dos quilombos como importantes espaços políticos e afetivos nos quais os homens e mulheres negros daquela época reencontravam as suas humanidades. Demonstrando a potência do significado da palavra que dá título a última história.
Conclusão
Fruto de uma extensa pesquisa do autor sobre o período, Cumbe já é um clássico dos quadrinhos brasileiros e não à toa angariou reconhecimento internacional. Dona de uma complexidade única a HQ é uma bela demonstração de como é possível reivindicar este doloroso passado sem didatismo ao mesmo tempo em que cria uma narrativa dramática e que demonstra a luta miúda de cativos em prol de liberdade e reconhecimento de suas humanidades.
Nota: 5