fbpx

Críticas de segunda e Opiniões de quinta sobre Quadrinhos

Por Thiago de Oliveira

Gideon Falls vol 3: Via-sacra review

Gideon Falls vol 3: Via-sacra

É chegada a hora de chutar as portas da realidade e mergulhar no terror. Descubra os segredos de Gideon Falls numa sanguinolenta caçada.

Compartilhe

Ficha Técnica

Capa de: Andrea Sorrentino

Gideon Falls vol 3: Via-sacra
Autores: Jeff Lemire (roteiro), (arte), Dave Stewart (cores)
Tradução: Dandara Palankof
Preço: R$ 79,90
Editora: Image / Mino
Publicação: Novembro / 2019
Número de páginas: 136
Formato: 17 x 26 cm, Capa dura, colorido
Gênero: Terror

Sinopse: Depois dos surpreendentes eventos no celeiro negro, acompanhamos o padre Burke em sua caçada ao assassino Norton Sinclair. Porém, o que fazer quando este assassino pode mover-se pelo tempo e pelo espaço?

***

Após um longo hiato, voltamos ao universo criado por Jeff Lemire, Andrea Sorrentino e Dave Stewart. E começo com um aviso: se você acredita que pode prever para onde a série vai, pode ter certeza que ela vai conseguir te surpreender. O motivo para isso é bastante simples, pois se nos dois volumes anteriores fomos arrastados entre duas dimensões, aqui em Gideon Falls vol 3: via-sacra a coisa explode e somos jogados em um multiverso de loucura e escuridão.

E jogados é bem a palavra, já que a HQ começa nos colocando na Gideon Falls de 1896. O primeiro ano de avistamento do celeiro negro e do Homem Sorridente. Eventualmente, este recurso poderia ser utilizado para explicar a origem de ambos os mistérios, mas Lemire opta por outra direção. Na qual uma terceira linha do tempo se abre e passa a contar o embate entre o padre Burke, o pároco da vez, e a misteriosa criatura que já foi Norton Sinclair.

Toda essa estrutura é como uma caixa de eco amplificando a dicotomia que vem guiando a história até aqui. Contudo, neste terceiro volume o que vemos é uma versão mais cruel e sanguinolenta. Tanto que aqui o body horror e o gore tomam conta das páginas em uma intrincada viagem pelo continuum tempo-espaço. Só que tudo acertadamente balanceado, de forma que, pendemos entre a repulsa e ansiedade enquanto a história se desenrola.

Arte de: Andrea Sorrentino

Esta mescla de elementos vai para além do gênero do terror e, aqui, também vemos a mistura de componentes do catolicismo com o clássico Alice no País das Maravilhas. Algo que, graças ao ritmo mais lento deste terceiro volume, nos permite encontrar algumas respostas antes de termos o tapete puxado sob nossos pés.

Descendo pela toca da barata

Para fazer essa combinação, Lemire faz com que a maior parte deste terceiro volume seja uma perseguição do padre Burke ao Homem Sorridente. Para tanto, a abertura da HQ é marcada por um chocante encontro entre os dois que termina com a entidade que se denomina como Norton Sinclair caindo na escuridão e, Burke correndo atrás de respostas. 

Tanto a queda, quanto o teor de urgência de algumas falas do Homem Sorridente (“há tanto a fazer, há tanto a fazer”), nos faz lembrar o primeiro capítulo do livro de Lewis Carroll, no qual Alice vê e segue um apressado coelho branco que mergulha em sua toca. 

Todo esse movimento serve para que o sacerdote seja guia enquanto é guiado pela entidade através das múltiplas realidades apresentadas. E com isso, ficamos sabendo da existência de cinco Gideon Falls. Cada uma vibrando em uma dimensão e um tempo diferente:

  • A terra natal de Burke (que irá dar origem a Gideon rural onde está o padre Fred);
  • Uma Gideon Falls no velho oeste;
  • Outra Gideon Falls num universo steampunk;
  • Sua versão distópica controlada por um governo chamado Magistrado;
  • E a aldeia de Gideon Falls, a mais próxima do centro.

Apesar de não termos respostas claras do que é este centro, é insinuado que o Homem Sorridente é algo que vive ou que está preso ali. Assim como conseguimos descobrir que seu objetivo é encontrar um portal, ou seja, um humano que o possibilite atuar fora deste centro. Dessa maneira ele poderia espalhar a escuridão sobre todo o multiverso.

Todas estas revelações vêm ao padre Burke depois de provações e debates com a entidade à medida que avançam por entre as cidades. Tudo em direção à descoberta de sua missão redentora de impedir o Homem Sorridente de triunfar. Daí, o subtítulo via-sacra.

O layout das páginas em Gideon Falls vol 3

Para além de todas as referências de Lemire nos roteiros, outro fator importante da série é a arte de Andrea Sorrentino. Vocês já me viram elogiá-lo aqui e aqui, todavia todo enaltecimento é pouco para o desenhista italiano. Em todo volume há sempre uma página dupla ou a decomposição de um intrincado conceito em uma belíssima solução visual. 

Arte de: Andrea Sorrentino

E aqui não poderia ser diferente e chamo atenção para a intrincada página de teletransporte por entre as realidades e a página onde temos o lampejo de como todas essas dimensões coexistem no mesmo espaço-tempo. 

Abusando de experimentações nos layouts das páginas, Sorrentino transborda criatividade no uso de repetições e dos requadros. Este último se desdobra ora em complexas formas geométricas, que guiam os nossos olhos pelas páginas, ora em traduzir os movimentos das personagens. E é como disse para o HQ sem roteiro, Gideon Falls é uma série que sabe como trabalhar recursos linguísticos que somente a nona arte possui. 

Ao mesmo tempo, a paleta de cores de Dave Stewart continua a fazer um excelente trabalho para demarcar emoções e cenas. E pode ter certeza que você não verá o vermelho tão bem trabalhado em outra HQ como aqui na série. As pinceladas são disparos para sentimentos como ansiedade, medo e nojo e duvido que o design do Homem Sorridente tivesse o mesmo impacto se não fosse por Stewart.

Conclusão

Gideon Falls vol 3: Via-sacra mantém a qualidade do que vimos anteriormente, ao mesmo tempo em que nos joga de vez no colo da ficção científica. E mesmo com um roteiro mais lento, não deixa de ser intenso em sua proposta de apresentar e explodir o que conhecíamos até então. 

Em conformidade com a proposta de Lemire, a HQ ainda guarda alguns detalhes em sua última parte mais focada no núcleo central da história: padre Fred, Norton, Drª Xu e a xerife Clara. Tudo para que a ameaça da entidade, que assola as diferentes cidades de Gideon Falls, seja sentida em nossas espinhas ao final da leitura. 

Por tudo isso, é mais que justificável o prêmio Eisner de melhor nova série em 2019. E se você ainda está em dúvida se deve prosseguir ou não na série, venha sem medo. 

Nota: 4 de 5

Tags

Leia também
Uma conversa sobre formatos, leitura e conforto...
Em um mundo marcado por violência, os fracos não tem vez. Acompanhe a jornada de...
BH é um ovo. Mas também é a capital dos bares, dos encontros inesperados e...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *