Ficha técnica
Retratos Brutos
Autores: Rogério Faria (roteiro), Ton Albuquerque (desenhos – miolo), Emmanuel Merlotti (pinturas em tom de cinza)
Preço: R$ 30,00
Editora: Draco
Publicação: Dezembro de 2022
Número de páginas: 28
Formato: 17 x 24,5 cm / Preto e branco/Lombada com grampos
Gênero: Drama
Sinopse: Em um mundo marcado por violência, os fracos não tem vez. Acompanhe a jornada de Máximo em busca de vingança por seu sobrinho.
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Eu adoro uma história de mundo cão. A experiência de ver a espiral de violência se assomar em torno de uma pessoa e ver até onde ela pode ir para cumprir aquele que é seu suposto propósito, é algo que me remete às antigas tragédias gregas. Uma linha é cruzada e não há mais volta. Porém, há algo que gosto ainda mais: histórias que te provocam e que ao final você termina e um pensamento assombra te: “pera lá!”. É possível encontrar essas duas coisas em Retratos Brutos.
Na HQ escrita por Rogério Faria, temos uma típica história de vingança, mas que se desdobra nos detalhes e brinca com alguns dos nossos estereótipos sociais. Imagens de controle que fazem com que num primeiro momento você aceite o que acabou de ver, mas que não se sustenta ao escrutínio do real.
Retratos brutos e imagens sociais
Máximo é um homem branco de meia idade, irascível e que não aceita desaforo. Aposto que você conhece alguém assim e se conhece sabe que esse tipo não aceita ser contrariado e vê qualquer menção a isso como um ataque pessoal. Sua visão é a lei, algo que se reflete na sua própria profissão de fotógrafo e nos duros conselhos dados a seu sobrinho Vitor que busca seguir a ocupação do tio.
De Vitor sabemos muito pouco, assassinado por Juninho, um homem negro, corpulento, com vestes esportivas e que usa um imenso crucifixo. Juninho e Vitor se conhecem desde a infância, como nos mostra o flashback que abre a HQ: um campeonato de futebol onde o garoto branco saiu vitorioso contra o garoto negro.
Todas as outras informações que temos de Vitor se dão através do olhar de Máximo, suas fotografias e memórias do homem. Um olhar enviesado e que por isso enviesa o nosso. Afinal não estamos acostumados a questionar o que vem de um homem branco, ainda mais ele sendo o protagonista da história.
Este é um dos trunfos do roteiro de Faria, ao posicionar Máximo no centro da história todo o resto é deslocado para as margens. Não há espaço para interpolações, o próprio personagem e a rapidez da trama favorecem essa sensação em suas vinte e oito páginas. Contudo, há tentativas de quebra deste discurso hegemônico de Máximo, seja nas falas entrecortadas de seu irmão, o medroso pai de Vitor, seja em situações aqui e acolá. Informações que a todo instante buscam chamar a atenção do leitor, mas que talvez passem despercebidas até o final sanguinolento.
Conclusão
O diabo mora nos detalhes e isso é algo válido tanto na arte quanto na própria vida. Nossa sociedade e cultura são permeadas por estereótipos que são reforçados através de imagens, histórias, notícias e relatos. Formas que buscam a todo instante determinar como devemos enxergar este ou aquele grupo.
Mesmo as pessoas brancas sofrem com esses estereótipos, pois facilmente podem se ver como mais inteligentes, donas da razão e propensas a se verem como o centro de todo o universo. E muitas peças culturais tendem a corroborar essa narrativa ao colocarem protagonistas brancos em jornadas de reparação contra alguma injustiça sofrida ou que acometeu alguns dos seus. Sendo os vilões pessoas de outras etnias. Exemplos é o que não faltam.
Embora Retratos Brutos não caia no dualismo entre certo e errado e nem busque ser um tratado quanto a utilização destas imagens para tonificar o racismo em nossa sociedade, é inegável que muito da história e principalmente de sua reviravolta se valha da utilização destas imagens de controle para nos fisgar. Mais um acerto do selo Contraversão da editora Draco.